quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Antes de Eusébio ir ao baile

Esta é a história de um homem, Eusébio, criado na roça no meio do nada. Uma história surpreendente, que parece irreal, mas que aconteceu no passado desta terra chamada Porto Novo. Uma história que parece ter sido única, mas que se confunde com a vivência de muitos homens criados neste rincão.
Eusébio era definitivamente um cara estranho. Não que ele tivesse tido alguma anormalidade física, muito pelo contrário, seu corpo era sadio, forte e rude pelo trabalho pesado e pela alimentação saudável da época. Eusébio era um cara estranho porque era pouco sociável e tímido, preferia ficar em casa, na companhia dos animais, do que sair e se relacionar socialmente. Aliás, os animais da propriedade significavam tanto para Eusébio, que a eles deu até mesmo nomes, e conversava com eles como se fossem íntimos. Até os seus seis anos de idade, antes de freqüentar a escola, Eusébio não teve qualquer contato com a sociedade, vivia entre os animais da propriedade, acreditando muitas vezes ser um deles.
Assim havia o cachorro Xole, companheiro de caça; a junta de bois, Vermelho e Valente, companheiros de trabalho; Campeão, o galo de rinha; e a vara de porcos, cada um com seu nome. Com as vacas e as galinhas Eusébio não tinha um relacionamento direto, porque isso era obrigação das moças da casa.
Em relação aos porcos é preciso destacar que Eusébio cometeu um dos pecados mais terríveis do catolicismo. Pelo fato de ser pouco sociável teve um caso de amor com uma porca, a Princesa. Sim caro leitor, o que chamamos atualmente de bestialidades, fora cometido não poucas vezes na colônia Porto Novo. Porcas, bezerras, novilhas e cadelas, foram muitas vezes objetos de desejo sexual de jovens como Eusébio.
Este caso de amor entre Eusébio e Princesa, a porca, durou até o dia em que foram flagrados pelo pai de Eusébio. A reação foi de horror, como eles ousaram cometer este pecado? É claro que naquele dia Eusébio apanhou muito, e a porca também. Der hat der Eusébio geschwot und die Sau auch. Dan sagt der man: “Du solst noch einmahl schweinerei machen! Jetz hats geschegt.” Uma semana depois a porca Princesa virou salame.
A partir daquele dia Eusébio não era mais responsável por tratar os porcos, função que passou a ser exercida pelo irmão, que já estava de sobreaviso. A surra de cinta desferida pelo pai em Eusébio e na pobre porca Princesa deixou todos assustados.
A propriedade da família de Eusébio era isolada e distante da civilização, no meio do nada, literalmente. Esporadicamente a família recebia alguma visita, fato que deixava as crianças assustadas e tímidas tanto que se escondiam no galpão e no sótão. O filho mais velho já freqüentava os bailes e já participava das atividades comunitárias. Mas Eusébio e seus outros sete irmãos eram pouco sociáveis.
Sentiam-se a vontade quando estavam em meio aos animais da propriedade. Seus corpos cheios de feridas e bicho-de-pés denunciavam a pouca higiene da família. Banhos evidentemente, só ocorriam no riacho ou ao sábado, reduzidos ainda mais em épocas de inverno.
A socialização das crianças acontecia a partir do momento em que freqüentavam a escola. Aliás, Eusébio e seus irmãos eram péssimos alunos. Sempre sujos e infestados de piolhos, os cadernos igualmente mal cuidados, demonstravam que aquela família era definitivamente anti-sociável. Como eles havia várias outras crianças, que cresceram reprimidos pela timidez, suas histórias são mantidas à surdina, varridos para baixo do tapete, não são um modelo de alemão idealizado para Porto Novo, mas são parte de sua história.
Geralmente esta situação de isolamento social ia se dissolvendo com o passar dos tempos, conforme o contato social evoluía. No entanto, muitos homens e mulheres jamais tiveram uma paixão, um relacionamento, um casamento, porque justamente cresceram com medo. No caso de nosso amigo Eusébio, ir ao baile poderia ter significado um avanço, mas foi um desastre que veremos na próxima semana.
Os fatos presentes nesta crônica são reais, apesar de os nomes dos personagens serem inventados, inclusive o da porca.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Quando Maria foi ao baile...

Maria estava com seus dezesseis anos completados, já tinha personalidade para acompanhar seus irmãos aos bailes. Depois de longos anos servindo como anjo da guarda, era chegada a hora de ultrapassar as barreiras da vida. A sua experiência como anjo da guarda rendeu uma série de curiosidades, não que ela tivesse visto algo de extraordinário no namoro de sua irmã com seu namorado, afinal de contas, grande parte do tempo ficou distante, comprada por um doce. Mas Maria estava curiosa porque ouvia de sua irmã fatos que transcorriam durante o namoro. Como era possível duas pessoas fazer tais coisas? Imaginava ela.
No dia do baile teve de ouvir sérias recomendações de sua mãe, sobre o que poderia ou não ser feito, e o que deixava ela realmente surpresa, é o fato de que sua irmã contava justamente o contrário. Neste momento Maria teve uma lição importante na sua vida. Existiam dois mundos em Porto Novo: aquele que as pessoas idealizavam existir, baseado nos valores morais passados de geração em geração, e aquele mundo paralelo da vida, muitas vezes escondido, que acontecia no escuro, nos “porões da alma”, que era condenado pela sociedade, mas também praticado por ela. Esta situação deixava Maria realmente curiosa.
No dia do baile havia um entusiasmo em todos, afinal de contas era a oportunidade de sair de casa. Maria foi ao baile com seus irmãos e alguns vizinhos. Já não estava mais incumbida de ser anjo da guarda, agora estava na condição de independente. Chegando ao salão, a movimentação era grande, as pessoas realmente freqüentavam os bailes na década de 1950. A animação da banda era evidente, mas o volume era muito baixo, o que muitas vezes dificultava aos casais de se manterem no ritmo. Algumas vezes a música já tinha acabado e alguns casais continuavam a dançar.
As mulheres sempre tinham que estar vestidas prudentemente, nenhuma roupa que demonstrasse excessivamente o corpo. Naquele baile a comissão de ordem (Ordnungskommission) teve que entrar em ação para expulsar uma jovem que havia usado trajes que feriam os padrões da época. As garotas ousavam, as vezes, muito mais do que os homens.
A certa altura do baile fato inusitado assustou a estreante Maria. Um jovem rapaz convidou uma de suas irmãs para uma dança, e ela prontamente negou. Tal atitude deu ao jovem a autoridade para desferir-lhe um violento tapa. Na época os homens tinham o direito de reprimir as moças que recusavam o convite a uma dança, direito que lhes era garantido pelo fato de que elas não precisavam pagar ingresso no baile. Maria achou aquilo um cúmulo, mas suas irmãs logo a instruíram de que era o costume, e costumes não se contesta.
As mulheres dificilmente consumiam cerveja. Aliás, poucos jovens tinham dinheiro para gastar com cerveja. Durante o baile se consumia cuca, salame, e uma cerveja que se fazia questão que durasse o maior tempo possível, mesmo que fosse quente.
Até certo da altura do baile era permitido que as moças pudessem dançar entre si, mas a certo altura era dado o sinal de que isso não era mais permitido, era a hora da paquera. Em poucos momentos era permitido que as mulheres tirassem os homens para dançar (Damentur), fato que era encarado como vulgar, mas que acontecia. Geralmente as mulheres sem namorado se posicionavam num canto reservado (Mädesck). Naquela noite Maria foi convidada duas vezes para dançar, porque ainda era muito nova, ainda não estava na idade de casar. Voltou para casa com mais dúvidas do que respostas. Sabia que para conhecer a vida fora dos padrões morais, era necessário ousar e ter certa dose de coragem.