segunda-feira, 21 de setembro de 2009

uma foto arrancada da prateleira


Isolde era uma moça jovem que estudava no Colégio São Vicente em Itapiranga. No final da década de 1960 esta escola era uma referência na região e muitas adolescentes deixavam suas comunidades e famílias para continuarem seus estudos. Algumas destas meninas freqüentavam o internato do São Vicente mantido pelas freiras da Sagrada Família, mas outras trabalhavam como empregadas domésticas em residências da cidade para que pudessem estudar.
Isolde trabalhava como empregada na casa de uma família tradicional de Itapiranga. Pela manhã fazia suas tarefas, limpava a casa, cozinhava, cuidava das crianças, e por esse serviço recebia muito pouco, apenas o direito de residir com a família e de estudar á tarde no colégio São Vicente. Aliás, a única quantia em dinheiro que ela recebia era no final do ano, quando ela voltava para a casa da família no interior.
Sabemos que a disciplina no Colégio São Vicente era algo sagrado. Bem pudera, era um local com muitas meninas adolescentes, que obviamente eram atiçadas pelos garotos da cidade, que também estudavam nesta escola. Toda esta disciplina rigorosa também instigava nas meninas certo espírito de rebeldia, o que muitas vezes gerou sérias complicações e punições por parte dos coordenadores da escola.
Todas as meninas eram obrigadas a usar saias compridas, era exigência moral da época. Mas antes de entrar na escola, as meninas dobravam a barra da saia até acima do joelho e quando era dado o sinal de início das aulas, ela desenrolado encobrindo até parte uma da canela. Na porta de entrada postavam-se duas freiras para fiscalizar quem ocasionalmente não estivesse vestido a rigor. Não estar a rigor significava punição.
Os adolescentes da época cultuavam personagens da música e do cinema que simbolizavam o espírito de rebeldia do período. Um destes símbolos era o casal de músicos Teixeirinha e Mary Terezinha, que formaram uma dupla amorosa e musical durante vinte e dois anos. Eram um símbolo entre a juventude da época. Gravaram muitas músicas e foram companheiros em filmes que encantavam principalmente o público jovem.
Isolde conseguiu de uma colega a foto do casal Teixeirinha e Mary Terezinha, e no final do ano a levou para casa para mostrar a seus irmãos. Colocou a foto na prateleira da cozinha, pintada de azul com aberturas de vidro. Era um gesto inocente, mas condenado pelo seu pai.
Quando o chefe da família se deparou com aquela imagem, imediatamente a tirou de exposição jogando-a no fogo do fogão. As pessoas mais tradicionais da época não simpatizavam com estas tendências modernistas dos jovens. Para os mais velhos as únicas imagens que pudessem estar expostos na casa, eram imagens de santos. O gesto do pai de Terezinha era muito mais do que um simples gesto disciplinar, era uma amostra do conflito de gerações que ficou evidente a partir da década de 1960.