Quando
falamos na história de Porto Novo a primeira impressão que vêm à memória dos
saudosistas ou das reminiscências da memória de um ou passado idealizado, é o pioneirismo
e todas as dificuldades a ele atrelados. Criamos uma espécie de imagem de uma
história vivida em perfeita harmonia em meio ao isolamento da região, onde a
paz e a prosperidade imperavam, um reino de paz e prosperidade. A história nos
ensina, e a memória não há de esquecer, de que no passado de Porto Novo
reinavam também intrigas, desavenças, disputas por nichos de poderio,
desentendimentos entre famílias, questões litigiosas de divisa de terras, que
deixaram feridas abertas, muitas delas, até hoje. A verdadeira memória não pode
de forma alguma ser sepultada com base em historietas construídas atualmente
para idolatrar um passado que nem sempre foi aquele que imaginamos, ou aquele
que nos convém para comemorarmos datas festivas ou falsos heróis do passado.
Basta
nos remetermos a figura do Padre João Rick, SJ, um dos idealizadores do
empreendimento Porto Novo. Este personagem enfrentou grandes dificuldades nos
primeiros tempos da colonização, motivados claro, também pela sua personalidade
forte e inabalável. Basta lermos o que ele escreveu em suas memórias para
percebermos que nos primeiros anos da colonização havia muitas intrigas que de
certa forma até ameaçaram o desenvolvimento da colônia: “Todo o comportamento
da população era suicida, pois a colônia veio a tal descrédito devido às suas
intrigas que a ela ninguém mais queria migrar (...) Porto Novo existe e
persiste(...) apesar dos erros de administração (procedentes de Sede Capela),
apesar da estultícia dos moradores de Itapiranga, com a sua disposição de
espírito suicida, apesar da fraqueza psíquica de seu fundador.”
No
período da Segunda Guerra Mundial tivemos a figura do Inspetor de Quarteirão,
contextualizada pelo professor Roque Jungblut em seu livro Porto Novo: um
documentário histórico. A figura do inspetor representava a presença física do
governo e da lei no isolamento das comunidades, sua função era ajuizar pequenas
causas e delatar desvios de conduta as autoridades. Muitos dos Inspetores de
Quarteirão exerceram sua função buscando abafar situações de desobediência à
lei, no entanto, outros Inspetores delataram vizinhos, companheiros de
comunidade para manter sua imagem perante as autoridades do Estado. Muitos
desentendimentos e intrigas foram criados em algumas comunidades devido a atuação
dos Inspetores de Quarteirão.
As
intrigas no desenvolvimento da colonização Porto Novo, ou como queiram, de Itapiranga,
ocorreram praticamente ao longo de toda a sua história, em diversas
comunidades, em variados segmentos da sociedade, algumas com mais, outras com
menor intensidade. No Livro Tombo da Paróquia São Pedro Canísio de Itapiranga,
encontramos um registro bastante interessante do dia 10 de Julho de 1987: “algumas
mulheres pediram nosso socorro porque, senhoras de mais de sessenta anos de idade
que queriam encaminhar sua aposentadoria foram destratadas pelo Prefeito
Municipal, chamando-as de comunistas, que se enforcassem, e por fim chamou a
polícia para expulsa-las. O Pe. Inácio Kraemer e o Pe. Otmar Schwengber conversaram
com as mulheres e com o Prefeito, mas, ele ficou-as chamando de agitadoras do
PT. O Pe. Otmar ouvindo as mulheres chocadas e desanimadas, não conseguindo adormecer,
rezou até duas e meia horas da madrugada, a sua primeira prece deu apoio às
mulheres e repudiou a falta de respeito com as mulheres.”
Da
mesma forma, ocorreram ao longo da história brigas políticas, desavenças entre
famílias, o que dizer das disputas por poder e influência entre comerciantes,
como por exemplo, na Vila de São João e de Itapiranga? O que dizer também das
disputas entre grupos e famílias em eleições de diretorias de associações,
sindicatos e entidades? Lembremos também dos desentendimentos entre sedes
comunitárias, como por exemplo, Sede Capela e Itapiranga na época da firmação
da sede da colônia Porto Novo, ou entre Cristo Rei e São João nas várias
tentativas boicotadas de emancipação do município de São João do Oeste.
Certamente
não devemos perpetuar desavenças e brigas que ocorreram no passado. Mas, no
entanto, não devemos tampar nossos olhos para a história e idealizar somente um
passado de glórias, de harmonia e paz. Muitos líderes que hoje ainda são
perpetuados com o estandarte do poder alcançaram tal posto a custa do
sofrimento de outros, subjugando-os, boicotando eleições, delatando desvios de
conduta. Nem todas as pessoas no passado concordaram com tudo e com todos.
Muitas ideias, muitas iniciativas, muitas lideranças não viram a luz do dia
porque foram esmagadas na casca.
A
memória é construída no cotidiano com base naquilo que a sociedade regional
quer que seja registrado na história, temos de ter o cuidado de não deixar para
as gerações vindouras uma falsa memória idealizada para perpetuar lideranças e
nichos de poder. Todas as decisões e acontecimentos do presente, assim como
foram os do passado, serão lembrados com base na história que contaremos para
as gerações futuras.