domingo, 2 de dezembro de 2012

Nem tudo foram flores na história de Porto Novo


Quando falamos na história de Porto Novo a primeira impressão que vêm à memória dos saudosistas ou das reminiscências da memória de um ou passado idealizado, é o pioneirismo e todas as dificuldades a ele atrelados. Criamos uma espécie de imagem de uma história vivida em perfeita harmonia em meio ao isolamento da região, onde a paz e a prosperidade imperavam, um reino de paz e prosperidade. A história nos ensina, e a memória não há de esquecer, de que no passado de Porto Novo reinavam também intrigas, desavenças, disputas por nichos de poderio, desentendimentos entre famílias, questões litigiosas de divisa de terras, que deixaram feridas abertas, muitas delas, até hoje. A verdadeira memória não pode de forma alguma ser sepultada com base em historietas construídas atualmente para idolatrar um passado que nem sempre foi aquele que imaginamos, ou aquele que nos convém para comemorarmos datas festivas ou falsos heróis do passado.
Basta nos remetermos a figura do Padre João Rick, SJ, um dos idealizadores do empreendimento Porto Novo. Este personagem enfrentou grandes dificuldades nos primeiros tempos da colonização, motivados claro, também pela sua personalidade forte e inabalável. Basta lermos o que ele escreveu em suas memórias para percebermos que nos primeiros anos da colonização havia muitas intrigas que de certa forma até ameaçaram o desenvolvimento da colônia: “Todo o comportamento da população era suicida, pois a colônia veio a tal descrédito devido às suas intrigas que a ela ninguém mais queria migrar (...) Porto Novo existe e persiste(...) apesar dos erros de administração (procedentes de Sede Capela), apesar da estultícia dos moradores de Itapiranga, com a sua disposição de espírito suicida, apesar da fraqueza psíquica de seu fundador.”
No período da Segunda Guerra Mundial tivemos a figura do Inspetor de Quarteirão, contextualizada pelo professor Roque Jungblut em seu livro Porto Novo: um documentário histórico. A figura do inspetor representava a presença física do governo e da lei no isolamento das comunidades, sua função era ajuizar pequenas causas e delatar desvios de conduta as autoridades. Muitos dos Inspetores de Quarteirão exerceram sua função buscando abafar situações de desobediência à lei, no entanto, outros Inspetores delataram vizinhos, companheiros de comunidade para manter sua imagem perante as autoridades do Estado. Muitos desentendimentos e intrigas foram criados em algumas comunidades devido a atuação dos Inspetores de Quarteirão.
As intrigas no desenvolvimento da colonização Porto Novo, ou como queiram, de Itapiranga, ocorreram praticamente ao longo de toda a sua história, em diversas comunidades, em variados segmentos da sociedade, algumas com mais, outras com menor intensidade. No Livro Tombo da Paróquia São Pedro Canísio de Itapiranga, encontramos um registro bastante interessante do dia 10 de Julho de 1987: “algumas mulheres pediram nosso socorro porque, senhoras de mais de sessenta anos de idade que queriam encaminhar sua aposentadoria foram destratadas pelo Prefeito Municipal, chamando-as de comunistas, que se enforcassem, e por fim chamou a polícia para expulsa-las. O Pe. Inácio Kraemer e o Pe. Otmar Schwengber conversaram com as mulheres e com o Prefeito, mas, ele ficou-as chamando de agitadoras do PT. O Pe. Otmar ouvindo as mulheres chocadas e desanimadas, não conseguindo adormecer, rezou até duas e meia horas da madrugada, a sua primeira prece deu apoio às mulheres e repudiou a falta de respeito com as mulheres.”
Da mesma forma, ocorreram ao longo da história brigas políticas, desavenças entre famílias, o que dizer das disputas por poder e influência entre comerciantes, como por exemplo, na Vila de São João e de Itapiranga? O que dizer também das disputas entre grupos e famílias em eleições de diretorias de associações, sindicatos e entidades? Lembremos também dos desentendimentos entre sedes comunitárias, como por exemplo, Sede Capela e Itapiranga na época da firmação da sede da colônia Porto Novo, ou entre Cristo Rei e São João nas várias tentativas boicotadas de emancipação do município de São João do Oeste.
Certamente não devemos perpetuar desavenças e brigas que ocorreram no passado. Mas, no entanto, não devemos tampar nossos olhos para a história e idealizar somente um passado de glórias, de harmonia e paz. Muitos líderes que hoje ainda são perpetuados com o estandarte do poder alcançaram tal posto a custa do sofrimento de outros, subjugando-os, boicotando eleições, delatando desvios de conduta. Nem todas as pessoas no passado concordaram com tudo e com todos. Muitas ideias, muitas iniciativas, muitas lideranças não viram a luz do dia porque foram esmagadas na casca.
A memória é construída no cotidiano com base naquilo que a sociedade regional quer que seja registrado na história, temos de ter o cuidado de não deixar para as gerações vindouras uma falsa memória idealizada para perpetuar lideranças e nichos de poder. Todas as decisões e acontecimentos do presente, assim como foram os do passado, serão lembrados com base na história que contaremos para as gerações futuras.