segunda-feira, 25 de março de 2013

A memória como condição humana



Adaptado do livro Passado e Presente em Interfaces, de autoria de João Carlos Tedesco.
 
A memória é um dos aspectos marcantes da condição humana. Certamente um dos fatores que nos diferencia dos outros seres vivos é a capacidade que temos de memorizar o nosso passado, seja ele individual ou coletivo. No livro de João Carlos Tedesco, intitulado de “Passado e Presente em Interfaces”, o autor argumenta de que a memória nos liga e nos vincula com os tempos, identifica e registra nossa existência, transmigra conosco. Sem memória talvez não seríamos seres humanos, pois a linguagem, os hábitos, a identidade e o grupo social com o qual convivemos estão diretamente ligados a este condicionante.
Guardamos na memória nossos costumes, nossos códigos de linguagem, lembramos que pertencemos a uma comunidade e uma família, lembramos que temos um passado, uma trajetória de vida. Para alimentarmos nossa memória criamos rituais para lembrarmos os fatos do passado. Frequentamos museus, vemos fotografias e imagens, guardamos objetos pessoais de valor sentimental, organizamos festas de família e atividades culturais como os centros de tradição gaúcha e os grupos folclóricos. A memória tem que ser alimentada constantemente para ficar presente no nosso imaginário.
Mas a memória precisa de dois fatores para se conservar: o ato de lembrar e o de esquecer. A lembrança é a capacidade de efetivação da memória, ela nos alivia, pois é a capacidade que temos para recuperar algo do passado. Sem a lembrança ficaria impossível organizar nosso pensamento, pois teríamos que constantemente manter vivo em nosso pensamento fatos do passado. A lembrança é um flash registrado na memória que aparece com a ajuda de estímulos. Recentemente na rede social Facebook foi compartilhada a imagem do livro infantil O Barquinho Amarelo, o que motivou muitas pessoas a lembrar dos tempos de infância e de escola. Certamente muitos não lembraram da história em si, mas ao ver a capa daquele livro veio à mente a imagem da sua escola, da sua professora, dos seus colegas.
Da mesma forma, o ato de esquecer é tão importante quanto o ato de lembrar. O que seria de nós se não tivéssemos a capacidade de esquecer? Ficaríamos constantemente remoendo feridas do passado, intrigas e desilusões. Lembrar e esquecer são aspectos que se complementam e interagem na mente humana. Conforme João Tedesco, “se há um conjunto de elementos intervenientes para o ato de lembrar, podemos dizer o mesmo para o ato de esquecer.” Há coisas que queremos esquecer: mudamos de cidade, trocamos de emprego, descartamos objetos, mas, no entanto, a lembrança retorna sempre através de estímulos. O que faz uma pessoa tatuar o nome do namorado (a) e apagar assim que o relacionamento termina? Existem coisas que se quer conservar na memória e outras que se quer esquecer, dependendo das circunstâncias sociais e temporais. O ato de esquecer possui uma função social, há coisas que precisam ser esquecidas mesmo, para dar continuidade à vida. O que faz uma pessoa cometer suicídio? Não seriam também lembranças do passado que não podem ser esquecidas?
No âmbito individual a condição da memória, da lembrança e do esquecimento são determinantes controlados por cada indivíduo. Mas o que dizer da memória coletiva? De que forma ela se sustenta? A memória coletiva está diretamente vinculada a um jogo de interesses de grupos sociais interessados em manter vivos determinados aspectos do passado. O que dizer dos arquivos da ditadura militar? Dos arquivos secretos do Vaticano?
Necessariamente a memória coletiva depende das lembranças individuais, é preciso consentir ou não em esquecer ou cultivar algo, e nesse sentido o ressentimento é um grande mobilizador coletivo. O que sustenta a memória dos argentinos em relação à questão das Malvinas? O que alimenta a rivalidade entre Brasil e Argentina? Não seria uma memória cultivada pelos meios de imprensa? O que faz com que pessoas deixem de frequentar espaços sociais por ressentimentos do passado? O ressentimento implica numa relação com o tempo e com a memória, sustentada através do ódio, do rancor, da inveja.
Mário Quintana foi feliz ao dizer certa vez de que o passado não reconhece seu lugar, ele está sempre presente. O passado é eternizado através do ato de memorizar, de lembrar e também de esquecer. As pessoas e as ideias desejam ser eternizadas e lembradas e nesse sentido a transmissão é muito importante. Para João Tedesco é um alívio para o ser humano poder se transcender, se exteriorizar, dizer quem foi ou correlacionar sua existência a algo externo e de significação. Pioneiros dizem: “eu participei da construção daquela obra”. A memória é uma espécie de ruminante, mas que necessita de auxilio para ser estimulada, de recepção, de apreensão de alguém para com outo alguém. Alguém precisa sentar e ouvir, ser o receptor.
                A memória é seletiva, pois apagamos, marcamos, queremos esquecer, mas não conseguimos. Somos alimentados por flashes do passado: quando vemos uma pessoa, visitamos um lugar, achamos um objeto esquecido numa gaveta. Na visão do professor João Tedesco, “os sentimentos de memória podem ser muito profundos e intensos; desse modo, quanto mais significativos, mais difíceis de serem apagados e não lembrados.”  
Livro didático O Barquinho Amarelo, lembranças dos tempos de escola.
Memorial pela passagem dos 30 anos da Guerra das Malvinas. Memória do povo argentino é alimentada através de rituais.   

Um comentário:

Diego disse...

Este artigo é bem interessante e fala de um personagem do velho oeste, Billy the kid: https://www.historiafacil.com.br/curiosidades/quem-foi-billy-the-kid/

Abraços!