quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Princesinha, parabólica


CONVERSA DE PROFESSOR

Muito se escreve e pouco se lê sobre educação. Professores que escrevem sobre esse tema, querem tornar públicas suas experiências, leituras e questionamentos. Assim, esses questionamentos representam minha modesta vivência como profissional da educação, e também como estudante é claro. Aqui expresso sentimentos, mágoas, incoerências, propostas, esperanças. Num misto de Paulo Freire e Nietzsche, essas idéias podem representar um estímulo, uma utopia e até mesmo um puxão de orelha, porque professor adora exigir, mas odeia ser exigido.
Para quem efetuar uma análise da educação poderá perceber que se trata de um berço de incoerências. Perceberá que a luta dos professores por qualidade na educação se resume, quase que unicamente, a um reajuste salarial. Como se somente isso bastasse para garantir uma educação de qualidade. Pedem redução de carga horária, para que quando a tiverem se dedicarão ao baralho e ao plantio de milho e não à leitura, à pesquisa e à escrita. É na educação que se exige leitura e escrita dos alunos quando a grande maioria se limita a ler a coluna de fofocas do semanário. Na faculdade, os acadêmicos das licenciaturas praticam o que futuramente condenarão como a falta de leitura, a não presença nas aulas, o desrespeito a horários...
Mas nem tudo é desilusão. Continuo nessa atividade porque acredito no potencial da educação. Vejo professores fazendo concursos para bancos, e quando algum estudante pede uma sugestão de profissão aconselham a não entrar no magistério. A valorização da profissão é requisito básico para que a sociedade a reconheça.
Quanto à prática em sala de aula algumas ponderações precisam ser levantadas. A grande dificuldade que sinto como professor é a dificuldade de fazer os estudantes pensar e fazer relação entre os fatos. Talvez possa ser resultado dessa sociedade ou da modernidade, mas muito dessa realidade se deve à prática dos próprios educadores. Por exemplo, nas disciplinas de História e Geografia ainda se pratica a pedagogia da “decoreba”. Ou seja, o livro didático elabora dez perguntas e essas mesmas dez perguntas caem na prova, basta o aluno decorá-las. E mesmo assim, o aluno é capaz de tirar notas péssimas. Estudante de educação básica tem horror ao ato de pensar. Em sala de aula é comum se ouvir os seguintes questionamentos: “Em qual parágrafo está a resposta?”; “Precisa copiar isso professor?”; “é para responder de caneta?” Isso realmente me dá calafrios. Peça para algum estudante estabelecer uma relação entre conteúdos, poucos serão capazes, porque poucos foram treinados e estão dispostos a pensar.
Não julgo a qualidade de um professor unicamente pela opinião que o aluno formula do mesmo. Na grande maioria dos casos, o professor mais amado é aquele que menos os faz pensar. E certamente aquele que mais os faz pensar é aquele que mais lê, mais escreve e mais pesquisa. E também é certamente esse professor que não tem muita conversa com os demais colegas na sala dos professores, ou porque é odiado pelo seu senso crítico, ou porque muito pouco sabe falar de novela.
Ser um professor bem sucedido é ter de achar esperanças num turbilhão de desilusões. Desilusões não somente com estudantes, mas com a conjuntura e o valor que se dá para a educação nesse país. Fala-se em contratar policiais e se esquece de contratar bons professores. Tenho colegas professores que escrevem livros e não conseguem publicá-los por falta de verbas para tal. Qualidade na educação não se resume somente a reformar escolas e construir ginásios!

terça-feira, 20 de novembro de 2007

MENINO

Menino: brasileiro, magrela e serelepe, capacidade cerebral limitada. Problemas de aprendizagem e relacionamento na escola. Seus pais, de ascendência similar, envoltos num trabalho maçante, desprezível até mesmo humilhante, pouco rentável evidentemente.
O cotidiano de Menino se resumia a freqüentar uma escola amontoado em uma sala com outros trinta colegas. Seus professores possuíam a incrível capacidade de limitar a sensibilidade, o raciocínio e os sonhos de Menino. Até porque a grande maioria de seus professores nada liam, nada escreviam, simplesmente transmitiam conteúdos adquiridos numa pseudo-universidade à algumas décadas atrás.
A bagagem cultural de Menino atrapalhava até mesmo seu processo educativo. Isso porque na sua casa assistia-se a três novelas, a vida imitava o vídeo e os sonhos alimentados pela televisão. A capacidade de observar de Menino limitava-se a três ângulos: sentado no sofá de três lugares da casa, ao olhar para um lado via sua mãe de olhar fixo na televisão – olhar bovino; à sua frente um mundo idealizado pelas elites de Copacabana apresentado na telinha global, e de outro seu pai, de olhar semi-aberto, descansando para o próximo dia de trabalho. Como podia Menino ser afetuoso com seus colegas na escola, se jamais flagrou seus pais demonstrar qualquer sentimento de afeto? Como podia Menino ler alguma coisa se seus pais e professores não o faziam?
Mal sabia Menino que sua vida estaria por mudar com a incorporação de um hábito que de início se assemelhava a uma tortura – imposta por uma nova professora – mas que com o passar do tempo se transformou num prazer: a leitura.
Enquanto lia, decifrava palavras desconhecidas, descobria um mundo paralelo. As palavras e as idéias o engrandeciam, o dignificavam. O mundo da leitura transformou tanto a vida de Menino que seu mundo precedente começou a ficar pequeno. Assim como o pinto no ovo, precisava quebrar barreiras. Sabia que tinha um mundo a explorar. A casca do ovo representava uma ameaça a sua sobrevivência.
Sua primeira ousadia foi questionar sua mãe sobre a alienação das três novelas, queria ultrapassar esses limites da comunicação de rebanho. Da mesma forma implorou a seu pai para recuperar a auto-estima, quem sabe até mesmo voltar a estudar ou mandar rosas para sua mãe.
Na escola, Menino começou a se tornar um desafio aos professores, porque seus questionamentos e leituras os forçavam a rever seus conceitos de educador. Menino exigia mais leitura, mas pesquisa, mais conhecimento. Seus colegas o invejavam e até mesmo o odiavam, mas não conseguiam entender a fonte do “milagre”. Através do simples ato de ler, Menino modificou o mundo a sua volta. Cresceu, proliferou, produziu, sonhou. Descobriu que não há limites para a criatividade e para o conhecimento. Os livros criaram oportunidades em sua vida e através deles pensava com a cabeça dos outros. Tudo isso devido a um livro e uma professora que exigiu leitura – e que para não ser incoerente, também lia.
Hoje Menino está enterrado, mas mesmo nessa condição se diferencia dos demais defuntos porque em sua lápide está inscrito na data de seu nascimento uma cruz, e no seu falecimento uma estrela radiante, para a eternidade. Seu corpo está morto, mas suas idéias alimentam outras mentes brilhantes.